sábado, 27 de março de 2010

Convulsão

"Limpei a boca com as costas da mão. O pútrido cheiro a bílis já se tinha entranhado nas narinas enquanto cuspia o resto do fel. O sangue fervia na fornalha do meu peito e tentava saír pelos poros da minha face. Tentei levantar-me mas não tinha força nas pernas. Aturdido pelas convulsões perdi o equilibrio e encostei-me à parede. Sem saber como dirigir os meus esforços só me conseguia lembrar do que me tinhas dito há minutos atrás. Como a espada de Damócles, o absoluto das tuas resoluções pendia sobre a minha cabeça e tinha-me decepado as forças. Tinhas retirado o resto que existia em mim na tua pessoa. Esse pequeno lugar que nos restava, que eu acarinhava e que tudo fiz para conservar. Sonhava existir alguém que dedicasse o seu tempo a pensar em mim. Foste tu. Mas hoje deixavas de existir e eu passava a ser um erro. Vomitava compulsivamente e purgava o meu amor por ti. Exactamente por onde me doía mais. Pelas entranhas."

quinta-feira, 25 de março de 2010

Insónia

"Contorcia-se envolto nos lençois, sem saber onde estava, mas reinava na terra dos sonhos e das ilusões, um mundo feito de retalhos de emoções e memórias. Despiu-se da realidade no preâmbulo pré inconsciente onde todos os nossos pensamentos parecem estar interligados numa espécie de torpor ou embriaguez. Heroi das epopeias inesperadas, enfrentava as suas medusas e ciclopes por onde feéricas odes ao subconsciente alimentavam um sono profundo. Onde horas e dias se rendeu à fantasia e ao desejo, outros ecos rendiam apenas preciosos minutos concedidos a um corpo quebrado. Percorria mundos paralelos e esboços de tempos desconexos, uma cascata de acontecimentos sem propósito. Mas mantinha a remota ligação ao carcere do seu corpo, diluía a sua viagem e ganhava alma presente. Apartado do abraço da fantasia, descia da sua distopia, acoradava para um amanhã solitário que tinha custado a imaginar antes de adormecer."

sábado, 13 de março de 2010

Norte

Tenho medo
Sempre tive
O suficiente para perceber que de medo
Vive a alma
Ou algo que se assemelhe

Perecemos pelo medo
Vivemos em suplicio
Sem sequer sabermos
Onde residimos
Porque não sabemos onde estamos

sexta-feira, 5 de março de 2010

karma's a bitch...

O ano começou nos seus tons mais sombrios e macilentos. Cinzento se preferirem. O barómetro apontava para a chuva. Ininterrupta e imperdoavel, levou consigo gerações e pedaços de história, e se algo deixou para trás, foi a paisagem devastada dos rostos de quem sofre a invernia na primeira pessoa. Mas não havia sinais de abrandar. Em passo veloz e em sintonia com o resto do mundo, tambem eu fui levado na enxurrada. Felizmente já estava avisado. Não podia ser o único a remar contra a maré! Pintei o quadro mais negro que este inverno antevia. E não me enganei.

quinta-feira, 4 de março de 2010

afinal que dia é hoje?

Há dias em que parece que as nossas forças se escapam, e que não temos nenhum controlo sobre isso. É rotinar-me e conformar-me ao dia-à-dia que no final de contas mais parece uma amalgama de horas, pois não detecto os traços que os diferenciem uns dos outros. E é justamente aí que me aborreço. Nesse lugar comum que chamo "mediocridade", que encontro os meus dias, uns após outros. Hoje queria ter acordado em fúria, mas acho que nem tenho paciência para me irritar. Hoje queria ter acordado com paixão mas já me apercebi que afinal isto aqui no peito não passa de um musculo solitário e esforçado. Hoje queria ter acordado outro, mas já compreendi que de alter ego só me resta a imagem que vejo no espelho.