quarta-feira, 28 de abril de 2010

Paupérrimo

"Estamos falidos", apregoam as vozes em coro na televisão. Desdobram-se em gravatas e lacinhos, vozes mudas e olhares cabisbaixos. Mas ninguém se convence do que está para vir é como apregoam. Será muito pior. Hoje, perdidos num mar de dìvidas e consumo, viramo-nos novamente para a esmola, para uma vida de remediado ou de remendado. Assim se espalha essa doença chamda miséria. Nem coelhos da cartola, nem ases na manga, nem um milagre de Santa Iria pode reavivar este povo português, que orfão de nascença, já está falido há muitos anos. Especialmente falido de homens e governantes, falido de atitude e valores mas rico de maneirismos e demagogia. Felizmente sou português e já sei conviver bem com as meias verdades e meias rações, com o olhar vago de quem apostou e perdeu um futuro. Mas como eu já não é só uma geração, é todo um povo e uma história que tanto deu de si que agora só lhe resta o abandono. Se hoje em Portugal há alguém que veja o copo meio cheio, eu vejo-o meio vazio.

domingo, 18 de abril de 2010

Fuga

Hendaye. 16:30. Partida de Santa Apolónia. Todos os dias vejo o teu nome no quadro das partidas e sonho em virar para a tua plataforma em vez de entrar no metro. Esse escape à monotonia da minha vida está tão próximo que até lhe sinto o cheiro. O cheiro das árvores e florestas enquanto rasgamos a paisagem numa velocidade de cruzeiro. O cheiro do óleo dos travões do comboio ao chegar a uma estação remota, perdida no meio de um nenhures idílico. O cheiro a liberdade onde todas as caras que vejo são novas. O sonho de uma longínqua aventura começa. O ponto de partida perfeito para me perder e esquecer quem sou.

sábado, 17 de abril de 2010

Subterfúgio

"Levantei a cabeça do copo e limpei o suor da testa. Ao tentar levantar-me parti os copos que estavam na mesa. Alguns corpos olharam-me de soslaio em escárnio ou repreensão. Cambaleei em direcção à saída. Arrastei a minha carcaça até duas ruelas acima. Tinha chegado ao meu limite e sentei-me para não caír. Acendi um cigarro e olhei em redor. Nem vivalma para testemunhar o meu ridículo; ou para minorar esse desejo escondido que tenho de que os outros se compadecem de mim. Entorpecido, tentei afastar as tuas memórias e cauterizar essa ferida. Mas o meu lado masoquista não deixa de revolver e ruminar essas lembranças. Não que tenha prazer na dor, mas ela serve-me de muleta para me sentir vivo. Quis tanto estar errado, mas a realidade acaba sempre por apanhar-nos sem resposta. Num momento de lucidez ganhei forças para me levantar. Não como acto de coragem mas sim de desespero. Afoito ao resto de um mundo turvo pensei: "Quantos dias passaram? Quantos minutos perdi a afastar-te da minha vida?" Sem saber melhor apercebi-me que já tinha a resposta. "Hoje deixo de os contar. Hoje deixo de ser teu", pensei, enquanto me arrastei até casa."

sábado, 10 de abril de 2010

Ódio

Ponho-me à prova todos os dias
Deixo que o meu ódio se apodere de mim
Sinto a dor na pele
Mas o que não me mata apenas me deixa mais forte

O meu triunfo é amargo
Pois alimento o meu descontentamento
E semeio a desconfiança
Dentro de mim

Deixo que as diferenças me separem de ti
Viro as costas ao teu olhar
Cresce a distância
Nasce a repulsa