sexta-feira, 25 de junho de 2010

Platonismos

"Abre-se já uma veia e sangra-se o mal de vez. Secular antídoto para a maleita. Diziam eles. O problema é quando o mal chega ao coração. Daí é levado para todo o corpo. A cada batimento mais veneno percorre as artérias, mais deturpa o raciocínio, mais infecta o julgamento. A mente deixa de reconhecer os seus atalhos e sinapses, perde-se nos trejeitos e manias e procura livrar-se do peso do corpo. Mas o mal já está feito, e espalhado o terror pelo seu ocupante, vive por intermédio do seu veículo. Deturpa a visão, confunde o tacto e transforma a linguagem. Obstinada enfermidade que nos reduz a liberdade. Ou o que nos resta dela. Cede-se então à vetusta lição e procuramos as punções para nos afastar de uma vida de tísico. Infelizmente o mal é comum, mas não é vulgar e a intensidade da sua violência é igual à procura do antídoto. Por isso, quem é que já não sangrou para tirar o veneno do corpo? Não que ele mate, mas rouba-nos anos de vida."

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Plágio

"Podemos fazer tanta coisa, podemos ser tantas pessoas que até podemos ser cópias perfeitas. O problema é que a cópia de tão perfeita que é, pode ser enganadora e tomar as rédeas da realidade. Podemos tocar-nos mas não nos ter, podemos beijar-nos mas não sofrer, podemos sorrir mas não amar. E quando tudo isso está no limiar dos nossos olhos; na ponta dos dedos; é difícil não ceder a esse engano. Colocado o molde real na redoma habitual, deixa-mo-lo ganhar pó, serve de exemplo para os restantes clones, o modelo de como deveria ser, invariável ícone de excelência. A dor lancinante sucede-se quando não podemos copiar o que sentimos. E de todas as cópias a única insubstituível é a mais plagiada. Simulação de existência, cíclico pleonasmo, prenúncio de epílogo. É como ver o dia a morrer pela enésima vez, por intermédio do seu amanhecer. Para que seja assente, esta cópia não mente, apenas ganhou vida própria para tentar quebrar o marasmo de não saber o que fazer face ao seu criador."

Sépia

Haverá dias em que tudo se torna isolado
Haverá palavras sem destino
Pormenores de sonhos
Nublados beijos de sépia

Tenho medo desses dias
E arrepender-me-ei do que nunca fiz
Olharei para ti, e calejado
Amaldiçoarei a minha loucura

Aí estarei longe de mim...
Mas perto de ontem
Onde o amor é uma psicose a dois
Onde um homem se tornou pó