quarta-feira, 25 de agosto de 2010

as armadilhas da culpa

"Colocadas entre os subterfugios do inconsciente, esperam o dia em que são despoletadas. Acutilantes mentiras e desilusões alimentam a auto comiseração da alma. Padeço eu e padeçemos nós. Um mal estar escondido e recatado, como a pobreza de um homem honesto. Serve-se apenas a metáfora pois honestidade não é adjectivada ao calculismo deste logro. Planta-se a semente onde lavouras foram criadas, esperado nada mais do despertar onde a velhice nos rege. Apartamo-nos do que queremos para nos escondermos na decepção. Colocamo-lo em perspectiva e enganamo-nos vez após vez, para que tudo seja intacto, neste recanto da nossa moral. Fechamos os olhos ao evento pois já está plantado, dormente embrião, à espreita da posse da razão. Grilhão do servil, cantiga de escárnio do inatingivel. Permitimo-nos o erro e esperamo-lo, como se o soubessemos de antemão."

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Vícios

"Desenrosquei a tampa do frasco, pensei em tomar mais um daqueles comprimidos e sentei-me à espera de conseguir decidir. Mais um daqueles comprimidos que me deixam dormir sem que tenha de passar pelo vestíbulo da incoerência. "Nada melhor do que estar sedado" pensei. Inócuo ao efeito placebo, as únicas vias para a libertação passavam pelo álcool ou por um novo fármaco. Durante muito tempo preferi o álcool; torpor violento e confuso, que nos restringe como de uma camisa de forças se tratasse. No entanto essa quietude forçada é como o olho da tempestade, sereno por breves momentos até se tornar avassaladora e destrutiva. Preferi levar a garrafa á boca. Maldito veneno. Como se eu estivesse a ser honesto. "Afinal a honestidade não é praqui chamada" pensei. O que eu queria mesmo era conseguir bloquear a minha vida da minha cabeça. Ou vice versa. E assim foi: de embriagado a escape, de escape a vício, de vício ao abandono."

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Distâncias

"Embalado pelos carris, nunca me pareceu tão longe um destino. Fica tudo para trás; horas e quilómetros, minutos e histórias, tão distantes como um dia de há anos atrás. Distante como de Caim para Abel. Faces da mesma moeda que nunca se chegam a conhecer, nem dão azo à tolerância. Convenço-me pois que as distâncias podem ser transpostas e que o querer moveu montanhas ao homem, um dito profeta. Mas hoje não existem inertes, existem peças que se movem e contraem, delicados mecanismos que depois de quebrados perdem a precisão. Hoje feri-te quando voltei atrás, quando o deja vu do momento de partida regrou as mãos do tempo e moldou horas desfazadas. Um relógio de corda de nada vale se não lá estão as mãos para o por a funcionar, nem se não houver quem o construa. Abandona-se o pulsar do coração, foge-se ao marasmo e quantifica-se os passos afastados nos entre tantos do cá e lá. Por já ter andado perdido de meridiano em meridiano prometo que a distância nunca mais me fará ferir alguém."

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Saudade

"Sabemos bem que esta é única, e solitáriamente nossa. Filhos dos idos passados e de calendas antigas, vivêmo-lo como ninguém. Dedicámos mais do que o verbo para o definir, dedicámos uma alma e com ela a canção das nossas raízes. Dedicámos as vozes em coro, no lamento da terra rasgada pelas mãos da necessidade. Áridas paisagens que pintaram o quadro dos nossos Invernos, da quebra dos nossos legados e tradições. Do testemunho de gerações arrancadas ao seu seio, da morte da semente, do roubo dos nossos filhos. Carpido em mármore e granito deixámos um pedaço da nossa melancolia, do agridoce que compõe o paladar dos nossos feitos. Etimologia constante no imaginário dos meus pares, esses outros que tanto corpo deram ao mundo, que deram as epopeias e os heróis aos comuns. Desses que inventaram adjectivos para tanto sangue derramado em praias longínquas. Das histórias criadas para amenizar a dor e tentar validar de todas essas existências arrancadas ao abraço da vida. Hoje é dia de homenagem. Hoje estou trajado com a capa da dor, e com os pés enterrados na areia solto um olhar vago ao mar enquanto espero por um amanhã que me cheira a salitre."

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Monstro

"Ontem; quando acabaste de falar; já eu estava no meu mundo. No canto do ringue, armado até aos dentes, pronto a matar e morrer, pronto para sofrer as dores que trago no meu nome. Quando acabaste de contar a tua história, já as minhas entranhas estavam em ebulição e o rubor da minha face denunciava o meu mal estar. Dissimulei-me de modo a que não percebesses ou pelo menos assim tento acreditar. Fachada atrás de fachada compunha-se a cena e o cenário para que a minha personalidade se pudesse retraír e contorcer. Artífices de actor. Após uns minutos ficou apenas o meu ego a gritar-me palavras de ódio e de ordem. A espicaçar e atiçar a fogueira do ciúme. Esse monstro voraz que atormenta até o mais santo dos cânones.O Adamastor bem conhecido do homem, acompanha-o de pecado em pecado á espera de se tornar o oitavo mortal. Dramático egocentrismo este de se querer mais do que se deve."

domingo, 1 de agosto de 2010

Ergo sum?

""Deixa de pensar" disseste-me de repente. "Se o fizer deixo de ser eu" respondi automáticamente. A ironia reside na excepção à regra. O automatismo da linguagem. Confirma-se pois a definição da/e excepção, totalmente adequada ao resumo deste diálogo. O meu problema é que não consigo desligar-me do mundo e da minha mente. Cogito, ergo sum. Ou melhor: Dubito, ergo sum. Onde há dúvida há espaço para erro. E onde há erro há questão. Completa-se assim o ciclo em segundos. Uma incessante inconstância da mente em busca da parábola perfeita. De uma metáfora que seja real ou de um eufemismo apropriado. E mesmo que o conseguisse, como é que deixaria de ser eu? Tentar descompensar este corpo, viciado no som da engrenagem da mente, no dissecar da semântica até que deixe de fazer sentido e tudo não passe de um aglomerado de letras. Ou contrariar esta vontade de olhar para além dos olhos? Como conseguiria eu sobreviver sem aquilo que mais me fascina. E teorizo até me fartar, porque só assim é que me sinto único e para descansar já me chega a eternidade."