sábado, 6 de agosto de 2011

monocórdico

"mais, mais e mais. limpo o suor da testa e arregaço as mangas. já sei que o dia vai ser puxado e sinto a vontade de cuspir nas mãos para pegar na enxada. não é esse o meu destino embora já o tenha visto na primeira pessoa. "já não sou assim tão novo para pensar em batatas e trabalhos forçados" pensei no meio da azáfama. é tão difícil acordar. o correio acabado de chegar, a barba por fazer e a loiça para lavar. Contas e contas, meios minutos nas vozes da manhã em surdina na televisão, a água quente que me chama em tons de vapor. inteiro-me das realidades comuns enevoadas. "põe os óculos bom homem!" e sinto que vejo melhor sem ver. "a limpidez da vista não coaduna com a limpidez de espírito". revisito as meias e as calças, acerto o olhar com o gel no cabelo. fecho e deixo o cubículo. "deve ser a milionésima vez que desço as minhas escadas, espera, já ontem me disse o mesmo, espera..." e sinto-me indeciso em descer e viver. e já vou tão rápido rua acima que nem vejo quem me acompanha, buzinam e ultrapassam. fujo aos engarrafamentos e desço a minha colina por ruas velhas. segue-se a marcha forçada e não deixo de pensar "se deus me quer, o homem sonha, a obra nasce? mas que deus é este que me deixa sempre a querer a meio dos sonhos. não admira que sejam nados-mortos. e não o censuro, censuro-me a mim por viver as mesmas obras, dia após dia."

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