quinta-feira, 22 de setembro de 2011

fragrância

"lembrei-me de ti hoje de manhã, senti o mesmo perfume em alguém que passou por mim e não pude deixar de olhar para trás. só mesmo para ver se eras tu. mas não eras. e a cada passo na calçada, choveram imagens atrás de lembranças. o liceu, os desvarios de putos, as tardes na praia, o acampar, os dias e noites nos jardins do bairro, as nossas piadas que ninguém entendia (nem nós às vezes), os sonhos comuns e os medos de infância. eu ainda percorro as mesmas ruas anos depois. tudo diferente e tudo igual. acabo sempre por pensar "já não há putos como nós fomos" e pergunto-me: o que é que nos aconteceu? onde estás tu hoje? talvez escondida na fragrância de um perfume que nunca mais se abriu, perdido na tua mesa de cabeceira."

sábado, 17 de setembro de 2011

já me tinhas dito...

"cuidado com o que pedes, podes ter o azar de acontecer" foi o que a minha mãe me disse há uma data de anos atrás. na altura ri-me e contrapus dizendo de uma forma despreocupada "sabes lá tu! sabes lá alguma coisa..." mas ela sabia. muito mais do que eu. como daquela vez que ela me disse que iria dizer o mesmo aos meus filhos e até os ia castigar da mesma maneira. dessa vez até podia ter acabado o mundo com tanto barafustar e bufar da minha parte. mas ela sabia. e não há outra forma de comprovar senão quando as coisas nos batem directamente no focinho e damos o braço a torçer. mesmo assim pergunto-me porque é que não me avisaste de tantas mais coisas antes da minha vida de adulto? das provações e dos tédios, das responsabilidades e desventuras. de certeza que hoje estaria mais previdente e esclarecido. mas assim não sucedeu. e eu sei, eu sei que é suposto aprender assim, para saber caminhar tive de caír. para saber amar tive que sofrer. e vou saltando de chavão em chavão. mas a verdade é esta: não é necessário ir tão longe para dizer que ela tinha razão. raios partam, eles têm sempre razão."

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

daemon

"transpomo-nos podemos dizê-lo? retiramos a nossa pele em escamas nas noites que passámos em serpente. reptilicos abrimos persistentemente os braços que não temos. talvez num milhão de anos. assim sobram as leis dos mais fortes. assim nascemos de evolução. e custa-nos o olhar veloz de desconfiança. se falamos pela sua cor é o mesmo que cuspir nos nossos corpos. e vivem-se. e respiram-se. não como velados, se é que o queremos como santos. esquecemos vidas passadas em legiões e nem nos podemos valer das nossas vidas. nenhuma delas."