sexta-feira, 28 de maio de 2010

Ode à loucura

"Ainda não sei onde estive mas hoje só te tenho a ti, neste lugar comum, monótono. Desligo os meus sentidos mais uma vez, e sucedo-me. Dou conta de ti outra vez. Introduzes-te sempre nos espaços vazios. Preenches o silogismo quando a lógica não dá azo à razão. Plano disforme, arquitectura complexa, escala desmedida. Maravilhosa epifania, o fascínio do ilógico tecido enquanto encho os pulmões, enquanto pisco os olhos, arritmia do meu ser."


sábado, 15 de maio de 2010

R.E.M.

"Prefiro dormir. Prefiro não estar cá. Aliás, estar mas não estar, porque me atemoriza a ideia da não existência e a eventualidade de um plano não fisico, ou seja os ultimos segundos de consciência da sua própria entidade. Como solução preferia dormir por muitos anos e entregar-me a esse ócio inconsciente, submundo de Freud e afins. Mas se tivesse de escolher, dormir sem sonhar. Porque sonhar já não me diz nada. E todos esses planos confusos e desconexos não são mais que ditirambes de um louco. Isso já eu tenho sem dormir. Todos os dias. E mesmo considerando um plano de inexistência, quão mau seria sonhar para toda a eternidade sem ter a hipótese de o concretizar? Tantos são os mitos condenados a existências torturadas que assim se reinventava mais um nesse Olimpo onírico. Assente-se a redundância. Por isso prefiro dormir, porque nos permite sempre o acordar, por muito violento que seja."

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Diálogo

"São tantas as vezes em que não creio em mim que ás vezes parece que não creio em nada. Para quem já perdeu a fé na humanidade talvez ainda haja uma hipotese para o individuo. Com isto quero dizer que talvez ainda haja fé pra mim. Pelo menos assim me tento enganar. E é tão fácil enganarmo-nos. Por debaixo da superficie pensamos sempre coisas diferentes daquelas que dizemos. Tem sempre tudo uma intensidade diferente quando vem lá da tripa. E são esses nós e voltas que deixamos ficar lá perdidos dentro de nós. Ai do dia em que os queira desatar. Cabo das tomentas e o diabo a sete. É o purgatório que me está reservado por me enganar constantemente. Por não dizer aquilo que penso e sinto. Por ser um cínico, com a melhor das intenções, para nos poupar a algum amargo de boca. É por causa disso que não dialogamos correctamente. Porque o emissor é omissor. Porque dizemos apenas meias verdades, meias frases. Essa é a razão para todas aquelas vezes em que entro mudo e saio calado."

terça-feira, 11 de maio de 2010

Genuíno

“Fizeste-me soltar uma gargalhada. Daquelas sonoras que são capazes de calar toda a gente à mesa. Não me pude conter enquanto ouvia as tuas peripécias e tentava imaginar-te nos cenários que descrevias. Melhor do que isso só imaginar-me lá presente. Só de ouvir a tua voz deixou-me contente, mas mais, muito mais por saber que mudaste. E para melhor. E se me serve de consolo, já consigo rir contigo. Genuínamente.”

domingo, 9 de maio de 2010

Insónia

"Fiquei mais uma noite em branco a pensar em ti. Pior. Em ti e em mim. Esse conjugar de verbos na primeira pesssoa do plural que me tira o sono; noite sim, noite não. Nevralgia persistente, maleita de estimação. Eco de um espectro doloroso que me arrepia a espinha e que me envergonha, essa vontade inapelavel de chorar e de gritar e exorcizar esses "demónios" e traições. Levantei-me outra vez da cama, acendi um cigarro e percorri frenéticamente para a frente e para trás o pequeno espaço da minha sala.

"Preciso de acalmar, preciso saír daqui, preciso saír de mim."

Mas isso não existe. O que existe é aquela enorme sensação de erro cometido e a impotência para o poder corrigir. E aceitá-lo ao ponto de turbar-se o raciocinio. A verdade é que ninguém tem verdadeiramente uma segunda oportunidade na vida, mas o que temos é muitas oportunidades semelhantes. Mas há quem não vá prevenido e que ainda sonha com redenções. Esfreguei os olhos à espera de sentir algum cansaço que me permitisse acalmar para adormecer. Nada. O tempo corria para o seu para o destino crepúscular e eu definhava. Fui até ao espelho e pelos olhos da insónia tive de ver que existe algo que me ultrapassa, algo mais além. Para além da palidez do meu sorriso e da agonia do auto-flagelo, existem carros e ruas e prédios e casas e familias e pessoas e vida por aí afora. Toda ela tão diferente de mim; tão desconexa da minha realidade, esses outros problemas e responsabilidades, essas outras noites perdidas que não as minhas, que ás vezes até as sinto fraternas em adversidade. Mas é assim que a vida se propõe a ensinar-nos algo. Pela dor e pelo erro. Agora os erros que cometi, esses já ninguém mos tira."