domingo, 3 de outubro de 2021

enquanto dormem(s)

 dentre os tédios nocturnos e as horas vagas, permitem-se outros olhares no silêncio da minha fé. são idílicos ou provençais os verbos que escondo em mim enquanto cedo às rotinas de sentinela e são cripticos os meus julgamentos renegados pelo absurdo. que pene a alma pela sua fraqueza. 

envergonhado admito as ilusões de outros destinos para um amanhã que demora a espairecer. coloca-se a esperança de um nascer do sol que de novo apenas regista mais ciclo. aquele evento de calendário que repete um número até à eternidade. 

se é verdade que de noite sonho então o dia é carregado de insónia. 

domingo, 1 de agosto de 2021

Abrupto

 E vem sem esperar. Sem aviso nem perdão, pela força da nossa natureza, a tal que negamos constantemente. É um assoberbar de raciocínios amontoados que se libertam, um vulcão adormecido de eras vetustas que ruidosamente volta à vida. 

Um nefilim enraivecido que dilacera as hostes inimigas, uma horda de mil vozes, uma torrente de dor , um jorro de sangue arterial. 

Mas desta vez embora inusitado não é desconhecido. Velho amigo de outrora, hoje é um inimigo da paciência, o algoz do meu martirio. 

E aturdido vocifero o desespero de quem não sabe como acalmar a fúria das vagas como aquela lágrima que nunca se soube suprimir. 

terça-feira, 29 de junho de 2021

Ecos


Um cânone serve como pedaço de exaltação ou como a punição do sofredor. Um ruído que nos deixa mudos é o mesmo que nos preenche a alma. É composto de tudo o que não é tangivel mas tambem se acompanha da ideia ou imagem, junta-se ao fisico pelo bálsamo do idealista, a âncora do existencial, a exultação do crente. Irmanados na vertente humana.

Um transe hipnótico que perdura desde a criação da linguagem, a música da musa deixa enfeitiçado o mais comum pela beleza da sua pureza. Sem necessidade de razão desafia a lógica do raciocinio e expande a fronteira do mundo conhecido. 

Os ecos do primordial são o verdadeiro temor do trovão. E todo ele na sua magnitude é um verbo sem palavra, uma emoção banhada no abstracto. O vibrar da semente da existencia é o protótipo da linguagem perfeita.


quinta-feira, 20 de maio de 2021

Verbalizar

 

Pelos caminhos tortuosos da fala libertam-se desejos de concordância. Pela fala e todo o seu acumulado de sons ancianos exprime-se imagem e ideia, procura-se o interpretar das emoções, afia-se o silex da lógica. Pelo som do meu choro, alimento o medo no homem mas pelo som do meu riso convido-nos à cumplicidade propria do sentimento ebriático e fraternal de quem provém da mesma génese.

Pela voz comanda-se acções e contracções, promove-se o estandarte e a cor. Uma voz pelo destino de tantos, uma ideia presa à linguagem que a molda e transforma. O metal macio com que se forma alianças e se destrói impérios. A vontade aliada ao som, como as trompas de jericó aliadas à fé de quem as empunha. 

 O que queremos uns dos outros valida-se e mente-se em canção aberta, diálogos e monólogos tão velhos como o tempo que os constroem. Procura-se veracidade no conto popular, na repetição das gerações dentre o legado que a torre de babel nos deixou e hermes fez acreditar. É isto que chamamos lingua, e os seus derivados, o amparo do homem ou a volúpia do seu ego.


segunda-feira, 26 de abril de 2021

carpir

 às vezes pedem-me para ter fé. ou para sorrir e acenar mas parece-me sempre despropositado neste cortejo funebre dos nossos valores. obséquios de porcelana, reverências e vénias a reis depostos. frageis lamentos, o ténue gemido da humanidade sobre o chicote.

E sinto-me, vergo-me e contorço os cantos da boca em visível dor. Mas os milhões de olhos a minha volta clamam aos céus a sua existência e as vozes que choram servem o silêncio dos coniventes. 

as vezes pedem-me paciência e para ter compaixão, mas a turba é a maralha convulsa que se auto consome sem complacência, a mesma que se revolve em histerias colectivas. 

as vezes pedem-me para ser humano, mas não consigo deixar de o ser pois cogito o seu propósito. 


domingo, 4 de abril de 2021

Abnegação

 

Viro-lhes a cara, mas não em desagrado nem repugnância. Foi em simples desinteresse. Antes fosse em nojo. Era sinal de vida. Mas não. Foi como aquelas memórias de que não rezam história, daqueles automatismos banais que só vivem de repetição. Ou melhor ainda, daqueles apertos de mão flácidos que são apenas protocolo.

De facto é isso mesmo, protocolo. Um conjunto de regras que não promove paixões, não alimenta o espírito nem acalenta a alma. É o puro desinteresse da efemeridade dos nossos dias. 

Pois se perdeu o lustre, metemos de parte. Não é novidade, deitamos fora. Deixa de ter utilidade emocional e como tudo o que consumimos hoje em dia é uma panóplia de nadas. Um carpe diem de ar quente. 

- Mas ao quê? - perguntas tu. - Às coisas - digo eu - Às coisas todas.