segunda-feira, 26 de abril de 2021

carpir

 às vezes pedem-me para ter fé. ou para sorrir e acenar mas parece-me sempre despropositado neste cortejo funebre dos nossos valores. obséquios de porcelana, reverências e vénias a reis depostos. frageis lamentos, o ténue gemido da humanidade sobre o chicote.

E sinto-me, vergo-me e contorço os cantos da boca em visível dor. Mas os milhões de olhos a minha volta clamam aos céus a sua existência e as vozes que choram servem o silêncio dos coniventes. 

as vezes pedem-me paciência e para ter compaixão, mas a turba é a maralha convulsa que se auto consome sem complacência, a mesma que se revolve em histerias colectivas. 

as vezes pedem-me para ser humano, mas não consigo deixar de o ser pois cogito o seu propósito. 


domingo, 4 de abril de 2021

Abnegação

 

Viro-lhes a cara, mas não em desagrado nem repugnância. Foi em simples desinteresse. Antes fosse em nojo. Era sinal de vida. Mas não. Foi como aquelas memórias de que não rezam história, daqueles automatismos banais que só vivem de repetição. Ou melhor ainda, daqueles apertos de mão flácidos que são apenas protocolo.

De facto é isso mesmo, protocolo. Um conjunto de regras que não promove paixões, não alimenta o espírito nem acalenta a alma. É o puro desinteresse da efemeridade dos nossos dias. 

Pois se perdeu o lustre, metemos de parte. Não é novidade, deitamos fora. Deixa de ter utilidade emocional e como tudo o que consumimos hoje em dia é uma panóplia de nadas. Um carpe diem de ar quente. 

- Mas ao quê? - perguntas tu. - Às coisas - digo eu - Às coisas todas.