quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Inevitável

 "Porquê insistir?" Perguntaste-me ontem. "Sei lá" disse eu de forma desinteressada porque não estava assim com tanta vontade de me justificar. "É da nossa natureza suponho" adiantei de forma a cortar a conversa por ali antes que tivesse de me explicar ou de convencer-te do meu ponto de vista. "Resposta redutora para conceitos complexos." Respondeste habilmente querendo puxar mais de mim. E eu sei bem ao que é que isso leva... A monólogos e dissertações que se transformam em diálogo e discussão. Parecia um prólogo para outro desentendimento, e para quem não acredita no destino ou na pré concepção da história de vida os sinais estavam todos lá. Eu é que não os queria admitir. "És inevitável" disse eu sabendo de antemão que os nossos primeiros passos foram na direcção errada. 




domingo, 23 de novembro de 2025

Papel-Químico

  Lembro-me bem daquele dia em que encafuados nos casacos e enfaixados nos cachecóis marcávamos o passo pela calçada abaixo de mão dada. O vapor da nossa respiração confundia-se com o fumo das castanhas assadas enquanto chegámos à esquina da praça. Não era o ano mais farto da história da cidade e isso reflectia-se na menor quantidade de luzes nas ruas. Felizmente os cidadãos sabendo das dificuldades da urbe decidiram colorir as suas janelas com luz e cor, pois embora a estação assim o pedisse, o brio cívico falava mais alto.

Canções familiares ecoavam nas lojas e nas ruas por entre transeuntes apressados para chegar a casa. Em autocarros e eléctricos decorados a rigor pude ver as faces de miúdos e graúdos enfeitiçados pelo brilho dos artesãos da luminária. Todos eles crianças deslumbradas vez após vez como se um feito de magia lhes tivesse sido  apresentado.

Tu largaste-me a mão para me agarrares o braço com as duas mãos e para te apoiares em mim enquanto caminhávamos. Querias estar mais próximo de mim e eu de ti. Eu que pouco mais tinha para te oferecer do que a meia dúzia de tostões no bolso e a minha companhia, senti-me  em êxtase por teres aceitado o convite para passear.  

No fim da rua principal esperei que olhasses para cima em contemplação do efeito dominó dos arcos reluzentes e lentamente sussurei-te ao ouvido "Era este o meu sonho! O de ver as luzes de natal contigo para te dar esse sorriso que te faltava à tanto tempo!" Sorriste amplamente duma forma cândida mas não respondeste. O teu olhar já tinha dito tudo.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Eles

 Empurram-te vezes sem conta. És manietado pelas vozes que te rodeiam. Já nem distingues os rostos de quem te interpela. Amigo ou inimigo já pouco interessa desde que te juntes ao coro do progresso. Dão-te a mão e esperas concordância ou sustento, mas tiram-te as forças da identidade. Curam-te as feridas e prometem-te o elixir da juventude para te roubarem o vigor da convicção. Cantam-te os sonetos de esperança mas formatam-te o destino. E tu segues, resignas e cumpres. E tu choras, ris e acenas. E depois perguntas-te "mas quem são eles" sem perceberes que tu já fazes parte do todos nós.