segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Teixo


Vinda do solo e da chuva,

Embalada pelo mão do druída

Rugosa e obstinada

Recusa a conformidade da estética


Refúgio animal e sacro destino

Porta vida e porta de morte

Frágil equilibrio universal

Sombrio recosto de Hades e alimentada em esquecimento


Companheira de Hecate

Forjada na força da vontade

E dos mesmos elementos que compõem a vida

Tem o mesmo vigor que o sonho de quem o plantou


Milenar obelisco de carbono

Elo perdido de outras eras

Sentada no trono da criação

Entre os reis do eterno e a ideia do efémero


terça-feira, 12 de novembro de 2024

miser

As lágrimas que me percorrem o rosto não demoraram muito a aparecer. São a resposta imediata da minha procura de redenção. Talvez se me punir mais um pouco possa vir a aspirar uma réstia de esperança. De ser melhor, de ter mais, de preencher o vazio de mim. Preencher o espaço que deixamos em aberto para outro de nós, que oposto nos pareça e que nos atraia pela semelhança de ideais.

Quanto de mim terá que de esmorecer perante o tempo? Quanta maleita me porá à prova e quanta resiliencia ainda tem este corpo sem se quebrar? Escravo de deus, um Jó de piedades e futuros perdidos. Eu sou o verdugo insaciável pronto a revelar o meu cilício.

Porém, e por um egoísmo inabalável ou pela teimosia animal da minha raça, arrasto esta procissão de desvirtude, esta canção venenosa, esta ladaínha de comisero e penitencia porque no fundo o que perdura é este medo violento e assolador da escuridão. Não porque temo a solidão. Mas porque temo não ter mais luz para dar.

sábado, 27 de janeiro de 2024

grito

 São verdadeiramente os sinais dos tempos. Aqueles mesmos, descritos há milénios em vetustos livros que ganham pó na memória do homem. Nessas escrituras que alguns consideram balelas e outros o mais íntimo sacrossanto, eu indeciso, retiro conclusões directas do valor nato das suas frases transcritas. Conclusões apoiadas na minha bússola ética e moral, imperfeita e parcial que apenas conhece esta realidade, esta vivência.

A lei do mais forte impera impune. A natureza do homem não foge à do irracional, e mesmo se utilize mais protocolos, sinapses e mordomias estamos no mesmo patamar. O da violência animal crua e sem pudor. Mas a nossa capacidade inventiva e curiosa conseguiu criar novos instrumentos de tortura e formas de escamotear a condição humana. Escravos de escravos de escravos.

 Da nossa necessidade de nos conectarmos com o mundo e outros como nós, nasce o seu oposto. A renúncia ao contacto, o isolamento dentro de si. Assim se cortam laços e se quebram comunidades. Estamos condenados às eternas dualidades creio. 

Onde um dia encontrámos forças no volume dos nossos números, hoje encontramos dissidência. Em singular somos geniais em plural somos deploráveis. E nós adeptos de uma evolução exponencial corremos para uma crise existencial. Tão expeditos a aprender, tão cegos a ver os erros de ontem. Novamente dúbio e duplamente ridículo.

Lá vem o "profeta do apocalipse", esse pessimista de gema que se farta de gritar lobo por essas aldeias fora, o inconveniente do costume ou até o pessimista nato. Se assim é a única forma que me faço ouvir então espero que a minha voz nunca se cale pois já o disse e repito: tenho fé no homem mas não na humanidade. 

sábado, 9 de setembro de 2023

bardo

 passo pelos palcos e vejo e plateias vazias e indiferentes. procuro então árduamente o meu lugar. forço-o e luto pelo protocolo e a suas responsabilidades. entrego-me à cena e irrompem-se frases transitórias, servilismos e futilidades. ouvem-se contos de grandes feitos e histórias para adormecer. todos eles para gáudio da audiencia do momento. sejamos honestos, como um palhaço servil e risonho. tal e qual aqueles que viamos em criança no circo. os mesmos que capturavam a nossa atenção e nos roubavam as gargalhadas com a suas histórias de tragicomédia e arcos redentores de finais felizes e conformidades.

enfadonhas estas gentes que me observam e mais exasperantes as que me interpelam. são vozes sem contexto, corpos ocos e mentes desocupadas. pouco agitam o meu lado curioso e menos ainda a minha faceta epicurista. são clones de protótipos, lapidados por mãos preguiçosas e ferramentas rombas. turba enfadonha, uma multidão de rotinas inócuas.

para quê tantas reverências e salamaleques mal enjeitados quando contados todos estes momentos irrelevantes não passam de um simples cortejo de minutos desperdiçados, uma pequena lembrança de rodapé nos livros da existência.

 em comparação observo em mim os meus feitos e defeitos. o meu volúvel conjunto de ideias e a prática dos meus princípios servem-me de barreira. crio então os artífices que me servem de espantalhos, como uma sombras humanas que afugentam e amedrontam. e finalmente entendi porque é que já nao sou de ninguém há muito tempo. talvez desde sempre. e ja não sei se quero ser alguém de alguém. 

domingo, 3 de outubro de 2021

enquanto dormem(s)

 dentre os tédios nocturnos e as horas vagas, permitem-se outros olhares no silêncio da minha fé. são idílicos ou provençais os verbos que escondo em mim enquanto cedo às rotinas de sentinela e são cripticos os meus julgamentos renegados pelo absurdo. que pene a alma pela sua fraqueza. 

envergonhado admito as ilusões de outros destinos para um amanhã que demora a espairecer. coloca-se a esperança de um nascer do sol que de novo apenas regista mais ciclo. aquele evento de calendário que repete um número até à eternidade. 

se é verdade que de noite sonho então o dia é carregado de insónia. 

domingo, 1 de agosto de 2021

Abrupto

 E vem sem esperar. Sem aviso nem perdão, pela força da nossa natureza, a tal que negamos constantemente. É um assoberbar de raciocínios amontoados que se libertam, um vulcão adormecido de eras vetustas que ruidosamente volta à vida. 

Um nefilim enraivecido que dilacera as hostes inimigas, uma horda de mil vozes, uma torrente de dor , um jorro de sangue arterial. 

Mas desta vez embora inusitado não é desconhecido. Velho amigo de outrora, hoje é um inimigo da paciência, o algoz do meu martirio. 

E aturdido vocifero o desespero de quem não sabe como acalmar a fúria das vagas como aquela lágrima que nunca se soube suprimir. 

terça-feira, 29 de junho de 2021

Ecos


Um cânone serve como pedaço de exaltação ou como a punição do sofredor. Um ruído que nos deixa mudos é o mesmo que nos preenche a alma. É composto de tudo o que não é tangivel mas tambem se acompanha da ideia ou imagem, junta-se ao fisico pelo bálsamo do idealista, a âncora do existencial, a exultação do crente. Irmanados na vertente humana.

Um transe hipnótico que perdura desde a criação da linguagem, a música da musa deixa enfeitiçado o mais comum pela beleza da sua pureza. Sem necessidade de razão desafia a lógica do raciocinio e expande a fronteira do mundo conhecido. 

Os ecos do primordial são o verdadeiro temor do trovão. E todo ele na sua magnitude é um verbo sem palavra, uma emoção banhada no abstracto. O vibrar da semente da existencia é o protótipo da linguagem perfeita.