terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Miradouro

"Tinha estado a chover e o chão estava escorregadio. O cheiro a terra molhada e folhas amassadas na relva eram embaladas pela canção do vento e do ondular dos ramos nas árvores. As nuvens fugiam pelo horizonte deixando os negros céus iluminados por uma lua em fase crescente. Ao lado dela brilhava uma estrela solitária que insistia em se mostrar mesmo que ofuscada pelas luzes da cidade. Lá em baixo dormitavam as vielas de uma cidade suja. O pequeno movimento nas ruas não se ouvia do miradouro, mas trazia ao de cima a insónia de uma cidade que não dorme. "Eu faço parte dessa gente. Esses que nunca dormem verdadeiramente" pensei. Um casal passou por mim e sentou-se num banco mais ao fundo. Apertava agora o vento e ele, levantou o braço e colocou-o à volta dela. Sentiu-se acarinhada e sorriu aquele pequeno sorriso que as crianças fazem quando lhes fazemos a vontade. O frio parecia não aplacar os dois jovens que se aninhavam calmamente como se fossem passar as próximas horas sem se moverem. Mordi o lábio enquanto tentava fechar a porta da memória. Tentei distrair-me enquanto deixava caír os olhos sobre a rio e a ponte. E nas pequenas luzes do cacilheiro que brilhavam ténues no breu das águas. Apaguei o cigarro, apertei o casaco e fui para casa. Hoje iria finalmente dormir. Mas amanhã será dia de nevoeiro e eu tenho de me levantar para lhe fazer frente."

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